Antes de começar o post quero fazer dois avisos:
- Eu sou feminista e este é um blog de beleza feminista. Isso está bem claro no blog. O movimento feminista tem várias correntes mas a esmagadora maioria delas defende a igualdade entre géneros. Se achas que o feminismo é o equivalente feminino do machismo ou que nós somos todas umas loucas histéricas és politicamente ignorante e fim de conversa. Se tu defendes a igualdade de oportunidades, direitos e deveres entre homens e mulheres então és feminista.
- Recebi vários emails, na conta do tin-tu-ras e na minha conta pessoal, com promoções especiais e descontos por ocasião do dia da Mulher. Este texto também surgiu por causa disso mas não é uma provocação ou uma ofensa a essas empresas, é apenas um desabafo sobre algo que se repete todos os anos. Este é um blog escrito para uma mulher, com uma audiência esmagadoramente feminina e parece-me impossível não falar aqui, mesmo que meio off the record, de assuntos que dizem respeito aos direitos das mulheres.
O dia internacional da Mulher celebra-se desde o início do século XX como marco e momento de reivindicação pela igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. É nessa época que as mulheres começam a reivindicar o direito ao voto, o direito a trabalhar fora de casa, o direito de participação política, etc. São incríveis e fantásticas as coisas que já conquistámos desde então mas, ao contrário do que muitas vezes ouço da boca de muitas mulheres, ainda não vivemos numa sociedade igualitária. Vejamos estes pequenos pontos:
- As mulheres recebem em média
menos 16,4% que os homens pelo
mesmo trabalho;
- O trabalho doméstico (não remunerado, geralmente conjugado com empregos) é feito essencialmente por mulheres: avós, mães e filhas;
- As maior parte dos licenciados são mulheres mas são os homens quem ocupa os lugares de topo das empresas e universidades;
- O tempo de antena na televisão (falo, por exemplo, de comentários políticos) é quase que exclusivamente masculino;
- Um pouco por todo o mundo morrem mulheres vítimas de abortos clandestinos;
- Em imensos países (e em Portugal de forma muito escondida) milhões de meninas são excisadas contra a sua vontade, muitas vezes sem anestesia e cuidados de higiene - podemos falar de diferenças culturais mas considero que qualquer acção feita contra a vontade de um indivíduo e que o impeça de viver livremente a sua sexualidade em idade adulta é um desrespeito pelos direitos humanos mais básicos;
- Continuam a ser as mulheres as maiores vítimas de violência doméstica (80% dos casos): o ano passado (apenas em Portugal)
a cada dia que passava dezanove mulheres eram vítimas de violência doméstica -
aqui estão os dados estatísticos da APAV relativos ao ano de 2011;
- São as mulheres as principais vítimas da crise pois, estatisticamente, são as primeiras a serem despromovidas, a sofrerem cortes salariais e a serem despedidas;
This is what a feminist looks like!
A lista é muito grande e estes são apenas os primeiros pontos que me vieram à memória em dois minutos. Ao mesmo tempo que é inegável que evoluímos imenso, também é inegável que muita coisa falta conquistar. A mulher ainda é representada como um ser fútil, mesquinho, incapaz de criar amizades com outras mulheres e muitas de nós alimentamos essa imagem porque achamos que é uma piada inofensiva. Somos educadas para competirmos umas com as outras (a nível académico, profissional, social, etc.), para nos vermos como inimigas e não nos apercebemos que isso só nos prejudica. Também na televisão ou em muitos meios artísticos os homens são recrutados pelo seu talento e as mulheres pela sua beleza (prestemos atenção, por exemplo, aos homens e às mulheres que apresentam programas de televisão em Portugal). E embora a indústria cosmética também se esteja a virar para os homens, continuamos a ser nós a sofrer porque os nossos corpos (perfeitamente normais, ainda que diferentes entre si), não serão nunca semelhantes aos das fotografias de revista e aos das mulheres que passaram por inúmeras cirurgias estéticas que vemos na televisão. Os homens também são vítimas disto pois acabam por acreditar que os corpos que vêem desde sempre são "normais" e naturais mas é a nossa auto-estima (e por vezes o nosso corpo e saúde) quem mais sofre com isso.
Falar em dia da Mulher não é, como muitas pessoas dizem, uma forma de discriminar os homens. Comparativamente (porque o mundo é binário e dividido entre homens e mulheres) são as mulheres quem são discriminadas e não os homens. Sim, existem homens discriminados em função do seu género e isso é algo que também tem de ser combatido. Mas são uma minoria, são a excepção à regra, e não podemos ignorar séculos de discriminações por causa disso. Por isso, falar em dia internacional do homem (masculino, não Homem) é ofensivo, pois esconde e tira importância a toda uma batalha que foi e está e estará a ser combatida em várias áreas da sociedade para que as mulheres sejam tratadas da mesma forma que os homens. Podemos estabelecer uma comparação com a ideia de Orgulho Negro e de Orgulho Branco. Mesmo que existam pessoas discriminadas por serem brancas (e existem e isso é algo negativo) não podemos negar que historicamente fomos nós (brancos) os maiores opressores. Falar em Orgulho Negro ou em Dia Internacional da Mulher é dizer que não esquecemos (e não deixamos esquecer para que não se repitam) os séculos de opressão e discriminação de que fomos vítimas e que continuaremos a batalhar para que as discriminações ainda existentes acabem. Falar em Orgulho Branco ou em Dia Internacional do Homem chega a ser ofensivo para as pessoas que sofrem na pele essas discriminações. Historicamente é o homem (branco) o opressor e não o oprimido.
Por isso, quando me oferecem jantares com desconto por ser dia da Mulher eu recuso com a maior delicadeza possível. Eu não quero descontos nem quero ofertas. Bem, quero-as, sim, em qualquer dia do ano mas não em especial neste dia pois ele não é uma data comercial, nem uma altura do ano em que nos dão um miminho porque nós, as mulheres, no fundo até somos umas fofinhas. Este é um dia político e extremamente importante, não é um momento comercial. Torná-lo isso é retirar-lhe o seu carácter político e reivindicativo e nisso eu não colaboro.
Em suma, sou feminista porque quero ser tratada de forma igual aos homens: exactamente com os mesmos direitos, deveres e oportunidades. Não quero ser tratada como inferior mas também não quero ser tratada de forma especial. Quero ser respeitada e valorizada o ano inteiro e não num dia em específico.