Thursday, March 8, 2012

Hoje é Dia da Mulher e eu vou reclamar!

Antes de começar o post quero fazer dois avisos:

- Eu sou feminista e este é um blog de beleza feminista. Isso está bem claro no blog. O movimento feminista tem várias correntes mas a esmagadora maioria delas defende a igualdade entre géneros. Se achas que o feminismo é o equivalente feminino do machismo ou que nós somos todas umas loucas histéricas és politicamente ignorante e fim de conversa. Se tu defendes a igualdade de oportunidades, direitos e deveres entre homens e mulheres então és feminista.

- Recebi vários emails, na conta do tin-tu-ras e na minha conta pessoal, com promoções especiais e descontos por ocasião do dia da Mulher. Este texto também surgiu por causa disso mas não é uma provocação ou uma ofensa a essas empresas, é apenas um desabafo sobre algo que se repete todos os anos. Este é um blog escrito para uma mulher, com uma audiência esmagadoramente feminina e parece-me impossível não falar aqui, mesmo que meio off the record, de assuntos que dizem respeito aos direitos das mulheres.

O dia internacional da Mulher celebra-se desde o início do século XX como marco e momento de reivindicação pela igualdade de oportunidades entre homens e mulheres. É nessa época que as mulheres começam a reivindicar o direito ao voto, o direito a trabalhar fora de casa, o direito de participação política, etc. São incríveis e fantásticas as coisas que já conquistámos desde então mas, ao contrário do que muitas vezes ouço da boca de muitas mulheres, ainda não vivemos numa sociedade igualitária. Vejamos estes pequenos pontos:

- As mulheres recebem em média menos 16,4% que os homens pelo mesmo trabalho;
- O trabalho doméstico (não remunerado, geralmente conjugado com empregos) é feito essencialmente por mulheres: avós, mães e filhas;
- As maior parte dos licenciados são mulheres mas são os homens quem ocupa os lugares de topo das empresas e universidades;
- O tempo de antena na televisão (falo, por exemplo, de comentários políticos) é quase que exclusivamente masculino;
- Um pouco por todo o mundo morrem mulheres vítimas de abortos clandestinos;
- Em imensos países (e em Portugal de forma muito escondida) milhões de meninas são excisadas contra a sua vontade, muitas vezes sem anestesia e cuidados de higiene - podemos falar de diferenças culturais mas considero que qualquer acção feita contra a vontade de um indivíduo e que o impeça de viver livremente a sua sexualidade em idade adulta é um desrespeito pelos direitos humanos mais básicos;
- Continuam a ser as mulheres as maiores vítimas de violência doméstica (80% dos casos): o ano passado (apenas em Portugal) a cada dia que passava dezanove mulheres eram vítimas de violência doméstica - aqui estão os dados estatísticos da APAV relativos ao ano de 2011;
- São as mulheres as principais vítimas da crise pois, estatisticamente, são as primeiras a serem despromovidas, a sofrerem cortes salariais e a serem despedidas;

This is what a feminist looks like!

A lista é muito grande e estes são apenas os primeiros pontos que me vieram à memória em dois minutos. Ao mesmo tempo que é inegável que evoluímos imenso, também é inegável que muita coisa falta conquistar. A mulher ainda é representada como um ser fútil, mesquinho, incapaz de criar amizades com outras mulheres e muitas de nós alimentamos essa imagem porque achamos que é uma piada inofensiva. Somos educadas para competirmos umas com as outras (a nível académico, profissional, social, etc.), para nos vermos como inimigas e não nos apercebemos que isso só nos prejudica. Também na televisão ou em muitos meios artísticos os homens são recrutados pelo seu talento e as mulheres pela sua beleza (prestemos atenção, por exemplo, aos homens e às mulheres que apresentam programas de televisão em Portugal). E embora a indústria cosmética também se esteja a virar para os homens, continuamos a ser nós a sofrer porque os nossos corpos (perfeitamente normais, ainda que diferentes entre si), não serão nunca semelhantes aos das fotografias de revista e aos das mulheres que passaram por inúmeras cirurgias estéticas que vemos na televisão. Os homens também são vítimas disto pois acabam por acreditar que os corpos que vêem desde sempre são "normais" e naturais mas é a nossa auto-estima (e por vezes o nosso corpo e saúde) quem mais sofre com isso.

Falar em dia da Mulher não é, como muitas pessoas dizem, uma forma de discriminar os homens. Comparativamente (porque o mundo é binário e dividido entre homens e mulheres) são as mulheres quem são discriminadas e não os homens. Sim, existem homens discriminados em função do seu género e isso é algo que também tem de ser combatido. Mas são uma minoria, são a excepção à regra, e não podemos ignorar séculos de discriminações por causa disso. Por isso, falar em dia internacional do homem (masculino, não Homem) é ofensivo, pois esconde e tira importância a toda uma batalha que foi e está e estará a ser combatida em várias áreas da sociedade para que as mulheres sejam tratadas da mesma forma que os homens. Podemos estabelecer uma comparação com a ideia de Orgulho Negro e de Orgulho Branco. Mesmo que existam pessoas discriminadas por serem brancas (e existem e isso é algo negativo) não podemos negar que historicamente fomos nós (brancos) os maiores opressores. Falar em Orgulho Negro ou em Dia Internacional da Mulher é dizer que não esquecemos (e não deixamos esquecer para que não se repitam) os séculos de opressão e discriminação de que fomos vítimas e que continuaremos a batalhar para que as discriminações ainda existentes acabem. Falar em Orgulho Branco ou em Dia Internacional do Homem chega a ser ofensivo para as pessoas que sofrem na pele essas discriminações. Historicamente é o homem (branco) o opressor e não o oprimido.

Por isso, quando me oferecem jantares com desconto por ser dia da Mulher eu recuso com a maior delicadeza possível. Eu não quero descontos nem quero ofertas. Bem, quero-as, sim, em qualquer dia do ano mas não em especial neste dia pois ele não é uma data comercial, nem uma altura do ano em que nos dão um miminho porque nós, as mulheres, no fundo até somos umas fofinhas. Este é um dia político e extremamente importante, não é um momento comercial. Torná-lo isso é retirar-lhe o seu carácter político e reivindicativo e nisso eu não colaboro.

Em suma, sou feminista porque quero ser tratada de forma igual aos homens: exactamente com os mesmos direitos, deveres e oportunidades. Não quero ser tratada como inferior mas também não quero ser tratada de forma especial. Quero ser respeitada e valorizada o ano inteiro e não num dia em específico.

13 comments:

  1. apoiado...quando vi no meu blog roll vários posts sobre o dia da mulher, pensei para mim...vou fazer um post com 2 ou 3 linhas...mas incluindo o facto de que para mim o dia da mulher não se resume a um só dia, mas a todos os dias do ano. acho que tocaste muito bem em vários pontos importantes...mas não entendi bem o ponto que fizeste na parte do aborto, o que têm a ver (desculpa a minha ignorância...) nos vários paises do mundo este "direito" é concedido perante condições especiais, como aqui em portugal, noutros é proibido pela relegião...emfim, existem X razões pelo mundo fora...mas acho que este direito é negado em tantos paises não pelo facto da mulher querer ou não, mas sim pelo facto de querer preservar a vida. Concordo com a lei do aborto que existe em portugal, até um X de semanas pode-se fazer, ou no caso de violação. Mas querer fazer um aborto quando já se está a meio da gestação porque simplesmente já não dá para ter um bebé ou a mulher simplesmente muda de ideias(sim sabes que existem mulheres assim...)é completamente ridiculo. Fazer um aborto na data que a lei permite, com uma razão muuuiiitooo válida e acompanhamento psycológico, sim dever ser um direito de toda a mulher. Sei que roubei um pouco aqui o teu tempo, mas é esta a minha opinião, espero não ter ofendido porque não é a minha inteção, e vou voltar para ver a tua resposta.

    ReplyDelete
    Replies
    1. Em primeiro lugar: não me ofendes por ter uma opinião contrária à minha :) eu sou daquelas que gosta de ter discussões super longas com conhecidos e desconhecidos online e não me zango com isso.

      Para mim a questão central quando se debate a IVG é o direito da mulher sobre o seu próprio corpo. Considero que até certa parte da gravidez o que ali está não é uma criança (até porque não sente dor) e até esse momento o que prevalece é o desejo da mulher. É a questão de uma vida existente vs. uma vida que ainda não existe.

      Felizmente nunca estive nessa situação mas conheço várias mulheres que engravidaram e abortaram: algumas quando ainda era ilegal, outras depois da legalização. Umas já eram mães de filhos, outras eram solteiras numa altura em que a mulher deveria casar virgem, outras engravidaram dos namorados, outras engravidaram por acidente... Não conheço ninguém que aborte "só porque sim". E se há uma coisa em comum na história de todas elas é que, na altura em que as hormonas andam "descontroladas" mudaram imensas vezes de ideias sobre se deveriam ou não abortar. Ou seja, isto para dizer que a opção do aborto não é leve e tomada sem grande ponderação.

      O que eu acho é que, dentro de um determinado período na gravidez, uma mulher tem total liberdade de fazer o que quer com o seu corpo, inclusive de abortar sem ter que se justificar ou de ter algum tipo de acompanhamento contra a sua vontade. O número de mulheres que fazem um número extremamente elevado de abortos ao longo da vida é ínfimo se comparado com o número total de abortos e esses já aconteciam quando a IVG não era legal.

      Delete
  2. Não tens noção o quão Feliz que fico por ler o que escreveste, depois de um dia inteiro a ter de ler e ouvir muitas das situações que referes!
    O dia da Mulher passou a ser para muitas e muitos apenas mais um dia de marketing e vendas (não para todas/os, obviamente) e são muitas as pessoas que não conhecem a origem do dia, nem o que as mulheres antes de nós tiveram de passar para termos alguns dos direitos básicos!!
    Só tenho um reparo e espero que me explique bem: quando dizes "Se tu defendes a igualdade de oportunidades, direitos e deveres entre homens e mulheres então és feminista", idealmente seria assim, mas existem muitos elementos da sociedade que não se identificam com algumas vertentes do movimento feminista - mulheres de cor (e aqui não digo só as mulheres negras), indivíduos trans* e muitos outros - porque ainda existem problemas de racismo e discriminação mesmo dentro do movimento.
    Em relação ao aborto, vale a pena relembrar que nem todas pessoas que engravidam são mulheres (muitas feministas o esquecem). e que ainda é ilegal em muitos países pelo simples facto de a sociedade não nos considerar indivíduos autónomos e conscientes do nosso corpo e das nossas escolhas (basta observarmos os recentes ataques aos direitos reprodutores que estão a acontecer nos EUA).

    Por fim, resta me dizer que este é um dos meus blogs de beleza preferidos - muitas vezes tenho de deixar de visitar alguns por causa dos constantes ódios e o recorrente "slut-shaming" - e isso aqui não acontece.
    ahh e espero que me tenha conseguido explicar bem :)
    comprimentos doutra Feminista *

    ReplyDelete
    Replies
    1. Que comentário rico, Vanessa :)

      Eu considero que qualquer pessoa que defenda a igualdade entre géneros (dois ou mais, aí depende das posições de cada pessoa) é feminista, sim. No entanto, podemos enquadrar-nos em correntes completamente diferentes e é aí que entram as discriminações de que falas: feministas brancas, feministas essencialistas, feministas conservadoras (lol), feministas de diferenças, feministas pós-modernas, etc. De facto considero que um feminismo que não se debruce em questões de género, que seja binário e que se foque somente nos problemas das mulheres ocidentais (ou que aborde os problemas das outras mulheres de um ponto de vista ocidental) é um feminismo estagnado e que reproduz opressões. Não pensei nisto aquando da escritura do post mas é esta a minha opinião.

      Em relação à gravidez por indivíduos não femininos, tens toda a razão. Pior ainda é saberes que uma pessoa trans que se queira submeter a alguns tratamentos e a alterar o nome e o género nos documentos legais é obrigadx à esterilização. Felizmente que com a nova lei da identidade de género isso já não acontece em Portugal.

      Delete
    2. Concordo contigo e isto é um tema que eu gosto de discutir mas como hoje já não tenho tempo ficam aqui uns artigos em jeito de celebração do dia de hoje :)
      http://guardiancomment.tumblr.com/post/18946724302/international-women-day-guardian
      http://www.maydaylisboa.net/2012/03/do-dia-internacional-das-mulheres-ao.html

      Delete
  3. De facto, concordo com tudo o que escreveste. Como neste momento sou estudante em part-time (melhorias) passo pouco tempo naquilo a que eu chamo "civilização", hoje só saí por poucas horas e só agora à noite, quando fui ao blog cuscar as novidades é que vi que era dia da Mulher, não fazia ideia.
    Eu digo, sou mulher todos os dias, tenho orgulho em sê-lo e penso que as pessoas, tanto mulheres como homens, ao ouvirem "hoje é dia da mulher" deviam pensar na falta de direitos que as mulheres tinham há anos atrás e ainda têm, em vês de se resumir a um dia de consumo.

    Pronto, só quis fazer um comentáriozito

    Beijinhos ^.^

    ReplyDelete
  4. Gostei especialmente do parágrafo sobre o possível dia do homem. Penso que a maioria das pessoas acredita que o dia da mulher é uma maneira de menosprezar o homem o que é muito triste.

    Beijinho

    ReplyDelete
  5. This comment has been removed by the author.

    ReplyDelete
  6. encontrei este site, tem artigos muito interessantes...e é a ciência que fala aqui...não a opinião, ou uma mãe...passem por lá.

    ReplyDelete
    Replies
    1. Pois, mas o site que linkas abaixo não é a opinião "da ciência", é a opinião de um grupo anti-aborto e, consequentemente, é tudo menos imparcial. Lamento mas há ali coisas com as quais não concordo e que já foram mais que desmentidas por estudos científicos sérios e imparciais, nomeadamente a existência de vida a partir do momento da concepção.

      De resto, mesmo que esses dados científicos fossem válidos, a vida de uma pessoa não tem de ser decidida pela ciência. Há um momento em que temos que decidir quem é que mais pesa no momento de legislar algo: se a ciência, se os direitos humanos. E, desculpa, mas continuo a achar que o direito de um ser vivo que já existe, que já está cá fora, e o direito de um futuro ser humano, que ainda não existe, têm pesos completamente diferentes. A mulher não é uma máquina parideira e não podem ser associações, movimentos religiosos ou movimentos conservadores a decidir se ela é ou não obrigada a manter uma gravidez durante nove meses contra a sua vontade. A despenalização da IVG não aumenta o número de abortos, como já está visto pelas nossas estatísticas, permite apenas a mulheres que engravidaram e não querem manter essa gravidez a fazerem-no de forma segura; porque quem quer tomar decisões sobre o seu próprio corpo vai fazê-lo em quaisquer condições, seja de forma legal ou ilegal.

      Para mim o argumento mais básico é mesmo esse: em última instância ninguém tem o direito de decidir o que faço com o meu corpo. Ninguém no movimento pela IVG quer obrigar ninguém a abortar, não admitimos que haja quem se sinta no direito de nos obrigar a manter gravidezes.

      Delete
  7. http://aborto.aaldeia.net/aborto-ciencia/

    ReplyDelete
  8. Eu sei...ninguém obriga, se a mulher não quer continuar com uma gravidez existem X H Y formas de por um termo, acho correcto que a lei apoie e dê condições para que a mulher, a sua saude. é um tema muito delicado, acho que ficamos por aqui, cada uma com a sua opinião. ficamos bem na mesma...

    ps: és uma boa argumentista! foi bom ter este debate contigo, embora seja um tema que mexe comigo porque sou mãe. Cada um com as sua opiniões.

    bjos, Tania

    ReplyDelete
  9. Gostei muito de ler este texto, consolidei a minha opinião que tinha! gostei muito mesmo :)

    beijinho

    ReplyDelete

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...